domingo, 6 de janeiro de 2008

Aquela

Pontas de cigarro, pontas de amargura, de nostalgia. Aquela nostalgia cálida de um lugar que parece que sempre vai ter o cheiro do passado. As tábuas lado a lado, parecem todas pedaços de um pecado agridoce, pedaços de sorrisos doces. Pedaços da vida que a gente viveu. É como se não fossemos a mesma pessoa depois de um tempo. Feliz ou infelizmente, existe uma história que acaba nos ligando a quem nós somos.
As veias esverdeadas em meus pulsos finos, lançando mais uma ponta de cigarro para fora do vão da porta onde faço ninho, nessas veias corre o que me faz lembrar o que faço aqui. Porque voltei aqui, nós podemos ir a qualquer lugar. Nossas pernas sempre nos trazem aos lugares que mais nos machucam, nossos olhos sempre olham para onde não deveriam, esperando ver os mesmos bancos de couro, esperando que tivessem o mesmo cheiro, esperando mesmo a mesma camisa vermelha. Cada carro na esquina me faz pensar que meu coração não cabe na fragilidade do meu corpo.
Eu esperei, - fui e voltei - sempre estive aqui. Meus olhos sempre esperaram pelos seus, e meu coração nunca saiu de suas mãos. E eu estou aqui outra vez. Outro verão. Outra pessoa e ainda a mesma pessoa, a mesma esperança de que você visse, de que ao menos aceitasse. Tenho medo de ser só um rosto combinando com a sua camisa. Você sempre aceitou o amor de todos aqui, exceto o que sempre esperou aceitação. Sempre me disseram o quanto você era bom, enquanto você esperava, esperava e esperava. Enquanto eu esperava, enquanto seus sorrisos e a doçura impensada de suas palavras tornavam calmas sístoles e diástoles em explosões doídas aqui dentro. Você esteve com todas elas, eu esperei por todas elas, eu superei todas elas. Você sempre soube de mim, soube quem eu era para você, mas todo o resto foi mais importante, e eu continuei a esperar. Esmagada por sua vida, esmagada.
E ali estava você amável e errado. Errado e errando. Entre mim e o mundo, errando e talvez chorando. Mas você nunca deixou de ser o menino de ouro neste coração, que agora encontra mais e mais formas de me fazer pensar que vou explodir, quando ouço a doçura da sua voz em mais uma versão falida de “vamos ver no que dá”. Eu não quero mais ver no que dá, mas meus lábios choram pelos seus, e ao redor de dois pares de lágrimas encontram os seus. Eu sempre acho que você vai entender nesse ponto. Mas sempre há dois milhares de pares de lágrimas para depois. Você sempre acha que está perto demais, e me parece tão longe, enquanto insiste em me deixar para trás.
Posso sentir o vento entrando janela a dentro, como se ainda estivesse aí dentro com você. Alguns anos e sorrisos tornam-se lágrimas, porque nem sempre o destino nos vem se não nos agarrarmos na parte que queremos. O destino é só uma das coisas que não voltam para trás. Infelizmente para o tempo existe a memória, para o amor o perdão. E para você... eu.
Agora você pode ver seu rosto dourado dentro do meu coração partido. Agora você vê seu rosto e continua sem coragem de sê-lo. Os verões vieram e passaram e eu continuei a tentar entender, continuei a aceitar, continuei pensando se a fita que eu lhe dei lhe fazia lembrar de mim.
Agora sei que faz lembrar de mim, porque agora vejo nos seus olhos que você sabe o que eu sempre soube. Agora você sabe quem eu sou, agora serão só aquelas musicas. Só elas ficarão pra sempre. Elas e a certeza de que eu era aquela. Aquela para quem você nunca teve coragem de dizer... Aquela diversão de verão, que você nunca soube quem fui.
É tarde, e você não precisa mais dizer. A vida sempre passa, e a gente devia saber a que se agarrar, mas o destino não volta atrás. Eu voltei, voltei e voltei. Mas você já tinha me deixado ir, antes de aceitar, antes de ver. Meu tempo nunca foi de graça, meus sonhos nunca foram de graça. Seu medo, sua indecisão, suas certezas, minha pose de porto seguro. Tudo isso que passou por entre seus dedos custaram o coração que você, assim, destruiu. Ainda sinto o cheiro de couro, o som do rádio dizendo tudo o que não poderíamos, e nossos pulmões cansados de riso, e canto. Fica a nostalgia cálida tatuada no sorriso que só pertenceu a você, ficam presas no cheiro de maresia todas as lágrimas pelas palavras que você não foi capaz de dizer. No cheiro de maresia, fica você e a sua certeza de ter perdido quem você teve tantas vezes certeza que tinha partido. Até agora, quando sua estátua de ouro resvala entre os cacos do coração partido, e você não precisa mais dizer nada, talvez nunca perceba realmente que fui sua única.